O Time de Street Hóquei

.
1


Priscila já tinha se retirado ao seu quarto para dormir. Estava deitada em sua cama, ainda acordada e com o abajur aceso, vendo seu álbum de fotografias.
Fazia pouco mais de uma semana que sua família havia retornado da Suíça para o Brasil. Há alguns anos, quando Priscila ainda era um bebê, seu pai foi transferido para a Suíça pela empresa que trabalha. Um país frio e distante do Brasil. Agora, seu pai havia conseguido uma promoção e seria o novo gerente de uma fábrica no Brasil.
Priscila ajudou sua mãe a desencaixotar toda a mudança já na primeira semana em seu novo apartamento. Seus pais estavam muito contentes em voltar para o Brasil, pois agora estavam mais perto de seus parentes e de seus velhos amigos.
Mas Priscila não estava contente. Gostava da vida que tinha na Suíça e já sentia saudades dos amigos. Olhava para suas fotos com uma dorzinha bem no fundo de seu coração.
Sua mãe tivera o cuidado de deixar seu quarto o mais parecido possível com o que era no antigo apartamento. A mesma decoração, os mesmos quadros, a mesma colcha e almofadas. Mas tinha algo diferente que incomodava muito Priscila. Na parede, agora, estavam pendurados seus patins de patinação no gelo. E ali eles ficariam, pois na nova cidade não tinha um ringue de patinação no gelo, muito menos um time de hóquei.
Priscila adorava jogar hóquei no gelo. Hóquei era mais que um esporte para ela, era uma verdadeira paixão.
Enquanto isso, no quarto de seus pais, sua mãe foi conversar com seu pai:
- Estou muito preocupada com Priscila, ela anda muito triste e nunca sai de dentro deste apartamento.
- Pôxa, nós moramos num condomínio tão legal. É maior que o que morávamos antes e tem muito mais atrativos. Tem piscina, quadra de futebol e basquete, um playground enorme... Respondeu o pai de Priscila, sendo interrompido pela mãe.
- Acho que o problema é que ela adorava jogar hóquei no gelo e vindo para cá teve que abandonar o time.
- Sim, é verdade. Mas acho que isso é apenas uma fase. Daqui a pouco ela encontra um novo esporte, faz novos amigos e tudo voltará ao normal.
- Mas enquanto isso não acontece, o que podemos fazer para ela não ficar mais tão tristinha? Perguntou a mãe.
- Olha, hoje quando cheguei, eu vi uma menina da idade da Priscila andando de roller. É parecido com o patim e quem sabe ela goste de andar de roller assim como gostava de patinar no gelo?
- Acho uma boa idéia.
- Então vou fazer o seguinte: amanhã depois que sair do trabalho eu dou uma passada no shopping e compro um roller para ela.
- Perfeito! Acho que ela vai adorar a surpresa. Animou-se a mãe.


2


No dia seguinte, no final da tarde, o pai de Priscila chegou em casa todo animado com um pacote de presente nas mãos.
- Olá, minha família querida! Entrou no apartamento cantarolando.
- Oi meu amor! Como foi o seu dia hoje? Perguntou a mãe.
- Ótimo. Cadê minha princesinha? Perguntou o pai querendo saber onde estava Priscila.
- Está no seu quarto. Este presente deve ser a surpresa que combinamos dar a ela.
- Sim, vamos até o quarto dela levar o presente.
Priscila estava muito desanimada naquele dia. Tinha recebido um e-mail de uma amiga da Suíça contando que o time de hóquei que elas jogavam tinha perdido a final do campeonato. A amiga falou, ainda, que se Priscila estivesse lá o time teria ganhado a final, pois Priscila era a melhor atacante do time.
A menina estava calçada com seus patins, sentada no cantinho da cama, quando seus pais chegaram fazendo a maior algazarra.
- Olha o que eu trouxe para minha princesa... Falou cantarolando o pai.
Priscila mal levantou a cabeça para ver o que o pai trazia. A mãe, percebendo que Priscila estava muito triste, tentou animá-la.
- Olhe querida, seu pai trouxe um presente para você. Anime-se.
O pai impacientemente, já desembrulhando o presente, emendou:
- Tire seus patins, agora você vai andar de roller.
Foi então que Priscila teve uma reação inesperada. Nem ela mesma entendeu porque agiu desse jeito, mas, quando percebeu o que tinha feito, já era tarde.
- Eu não quero porcaria de roller nenhum. Gritou para seus pais.
- O que é isso menina? Perguntou a mãe assustada.
- Eu não quero esse roller, eu não quero morar aqui, eu quero voltar para a Suíça. Continuou gritando.
- Olha esse tom de voz, menina. Não é essa educação que nós damos a você. Falou o pai chateado e continuou:
- Eu trago todo contente um presente para você e é assim que você nos trata?
- Eu não quero nenhum presente, eu só quero a minha vida de volta. Continuou gritando com os pais.
- Pois então você vai ficar no seu quarto para repensar essa sua atitude. Estou muito magoado com você. Mais tarde voltaremos a conversar. Falou o pai saindo do quarto.
A mãe de Priscila ainda tentou conversar com ela:
- Querida, nós já conversamos sobre isso. Aqui no Brasil nós estamos mais perto da família, além do mais é muito importante para o trabalho de seu pai.
- Não importa! Eu quero meus amigos... Priscila nem conseguiu terminar de falar e começou a chorar. Com isso, deitou de bruços na cama e tapou sua cabeça com o travesseiro.
Sua mãe, percebendo que não tinha mais condições de uma conversa, saiu do quarto de Priscila para voltar quando ela estivesse mais calma.
Quando a mãe de Priscila chegou à sala o pai estava sentado no sofá olhando para a parede.
- Não fique assim, querido. É só uma fase. Uma mudança é sempre difícil.
- Eu sei meu bem. Mas é difícil ver minha filhinha tão triste. Você acha que fui muito duro com ela?
- Ela vai ficar bem. Ela precisa aprender que não é gritando que ela vai resolver seus problemas. O castigo vai ser bom para ela pensar no que fez.
E realmente Priscila pensou muito no que havia feito. Estava arrependida e iria pedir desculpas para seu pai e para sua mãe assim que pudesse. Tirou os patins dos pés e pensou em calçar o roller para provar, mas ficou com vergonha depois de tudo o que aconteceu.
Levantou da cama, só com as meias nos pés, e foi olhar pela janela do apartamento. Era período de férias escolares e estava no horário de verão. Apesar de já serem dezenove horas ainda estava claro. O sol começava a querer se pôr atrás das montanhas.
Priscila, então, viu uma menina de cabelos castanhos e um pouco cacheados, da mesma idade que ela, andando de roller no pátio do condomínio. Ela parecia que estava muito feliz e que se divertia muito com seu roller.
A menina veio com seu roller fazendo uma linha reta, deu um giro e continuou andando de ré. Assim, fez uma curva, deu outro giro e continuou de frente mais um pouco e parou. Foi quando chegou um menino, um pouco mais velho, também de roller e eles começaram a conversar.
O que será que eles estão falando? Pensou Priscila. Será que eles são legais? Será que eles vão querer ser meus amigos?



3


A menina chamava-se Sabrina e o menino era o Paulinho. Eram irmãos com pouca diferença de idade e muito amigos.
Se pudéssemos responder as perguntas que se passavam na cabeça de Priscila, poderíamos responder: Um. Estão falando sobre o jogo de futebol que terá amanhã no campinho do condomínio. Dois. Eles são muito legais. E três. Sim, eles vão adorar serem seus amigos. Mas como não podemos responder, vamos deixar que o tempo se encarregue de fazer isso.
Paulinho estava muito preocupado com o jogo do dia seguinte. Sabia que não jogava bem e que tinha sido escalado só porque o Mateus, um dos atacantes do time, não ia poder jogar. Mateus estava de castigo por ter pegado recuperação. Este era um jogo tradicional no condomínio. Todo ano, no início das férias, o time de futebol do condomínio desafiava o time do condomínio da rua de baixo para um jogo, sempre marcado com muita rivalidade. Brigas, não havia, mas o difícil para o time perdedor era agüentar as gozações do outro time durante um ano inteiro.
Os meninos do condomínio dificilmente chamavam Paulinho para jogar com eles, pois diziam que ele era um perna-de-pau. Só chamavam quando o time estava desfalcado. O que era o caso.
Para Paulinho esse jogo era muito importante porque se ele jogasse bem seria sempre chamado para jogar com os outros meninos do condomínio.
E era isso que ele explicava para Sabrina enquanto Priscila olhava pela janela cheia de perguntas em sua cabecinha.



4


Um pouco mais tarde, a mãe de Priscila entrou no quarto para ver como ela estava. Priscila já havia pendurado os patins de volta na parede, ajeitado o roller num canto do quarto e estava mais calma, esperando a oportunidade de pedir desculpas para seus pais.
Conversado com a mãe e tudo perdoado, foi a vez do pai que esperava as duas para jantar. Com o pai também foi conversado, tudo explicado e tudo perdoado. Conversaram muito durante e depois do jantar.
- Pai, eu posso andar de roller amanhã no pátio do condomínio? Perguntou Priscila, meio sem graça, ainda com vergonha.
- Claro, minha querida, foi para isso que eu comprei. Para você se divertir. Respondeu o pai.
- Você precisa sair mais de dentro deste apartamento, Priscila, só assim você fará novos amigos. Falou sua mãe.
- Mas, mãe, eu tenho certeza que aqui eu não encontrarei amigos como os que eu tinha na Suíça.
- Claro que não. Cada amizade é diferente da outra. Se as pessoas são diferentes umas das outras, então as amizades também serão diferentes, minha filha.
- Estou com muitas saudades dos meus amigos. São os melhores amigos do mundo.
- Será que você não está exagerando? Perguntou o pai.
- Não estou exagerando, eles são meus melhores amigos.
- Priscila, seus amigos da Suíça são os melhores amigos que você teve até hoje. No entanto, você vai conhecer muitas pessoas durante sua vida e fará novas amizades. Umas melhores que as outras. Explicou seu pai.
- Será que eu vou ter bons amigos aqui no condomínio?
- Faz o seguinte, amanhã desce com seu roller no pátio. Eu sempre vejo muitas crianças brincando lá, tem até uma menina da sua idade que está sempre de roller. Amanhã à noite nós conversamos.
Depois dessa conversa Priscila foi para a cama dormir. Deitou lembrando do que haviam falado e da menina de roller no pátio. “Será que ela vai ser minha amiga?”



5


No dia seguinte Priscila acordou bem disposta. Estava pronta para encarar uma nova vida. Vestiu uma roupa confortável, calçou o roller e foi para a cozinha tomar seu café da manhã.
Sua mãe estava na cozinha e seu pai já tinha saído para trabalhar. Comeu seu cereal preferido, algumas frutas e tomou um iogurte.
- Nossa que apetite! Que bom ver você tão disposta! Surpreendeu-se sua mãe.
- Pois é, mãe. Eu vou fazer o que o pai me disse ontem.
- Muito bem! E estou vendo que você até está de roller. Serviu direitinho?
- Serviu. Tchau mãe, eu vou descer.
Dito isso levantou e saiu toda animada para pegar o elevador e descer até o pátio do condomínio.
A mãe, que não cabia de felicidade, foi logo telefonar para o pai de Priscila.
Quando chegou ao pátio do condomínio, Priscila não encontrou nenhuma criança. Havia chegado antes de qualquer outra criança descer. Resolveu tentar fazer aquela manobra que ela tinha visto a menina fazer, no dia anterior, da janela de seu quarto.
Priscila andava muito bem no gelo com seus patins, agora, a técnica do roller é um pouco diferente. Conseguiu, já de início, andar direitinho, mas precisaria treinar para fazer algumas manobras mais arrojadas.
Andou em linha reta e foi tentar o giro. Não conseguiu e quase caiu. Tentou mais uma vez e desta vez caiu. Por sorte, não se machucou. Tentou mais uma vez e quase acerta, mas desequilibra no final e quase cai novamente.
Sabrina, que acabara de descer, ficou observando a menina nova no condomínio tentar dar o giro que ela fazia tão bem com seu roller. Decidiu ajudar.
- Oi, você precisa jogar a perna esquerda assim.
Dito isso, Sabrina andou uns dois metros para pegar um pouco de velocidade e deu um giro com perfeição.
- Está bem. Vou tentar.
Priscila fez exatamente como Sabrina havia mostrado e conseguiu dar o giro bem direitinho.
- É isso aí! Você fez direitinho. Parabéns! Elogiou Sabrina.
- Muito obrigada! Eu tive uma ótima professora. Priscila agradeceu.
- Você é nova aqui no condomínio, não é? Perguntou Sabrina.
- Sim, faz pouco mais de uma semana que nos mudamos para cá.
- Vocês vieram de outra cidade?
- Nós viemos da Suíça.
- Da Suíça! Que legal! Eu nunca conheci antes uma pessoa de outro país.
- Não, eu não nasci na Suíça. Eu sou brasileira mesmo. Eu só morei lá.
- Mesmo assim, acho muito legal. Como é o seu nome?
- Eu me chamo Priscila. E o seu?
- O meu é Sabrina. E continuou:
- Priscila, vamos andar de roller na quadra antes que os meninos venham para jogar futebol? Lá o chão é mais liso.
- Vamos. Concordou Priscila.
E ali começava uma nova grande amizade.


Continua no livro...
.

Este livro é parte da Coleção “A Galera do Condomínio”.

Esta cópia ainda não foi revisada, nem publicada.
Os direitos autorais são de propriedade exclusiva do autor.

Fale com o Autor